Angye Gaona -Carta ao Juiz de Cartagena por " Cabo Mondego Section of Portuguese Surrealism ”
Performance de Clemente Padín
Carta ao Juiz de Cartagena
Coimbra, 15 de Janeiro de 2012
Meritíssimo,
Como artistas e cidadãos do mundoenvolvidos e comprometidos com a liberdade de todos os povos, com o fervor da nossa alma e do nosso coração, decidimos remeter-vos esta carta para informá-lo do nosso mais sincero e activo compromisso na vigilância em relação ao caso seguido em sua corte, relativo à poeta colombiana Angye Gaona.
Estamos certos de que não virá a ser julgada, neste caso específico, uma “mulher traficante ou um indesejável rebelde”, mas, inadmissivelmente nestes primeiros passos do século XXI, simplesmente, uma "perigosa contrabandista" das palavras e do verbo e, da força e da essência da poesia, e que através delas, apenas demonstra que está ciente dos excessos e abusos dos direitos do homem, bem como dos valores em si ignorados, no seu amado país.
Em seu nome, mas estando certos, que tal é expressado por um infinito número de poetas, artistas, intelectuais e cidadãos do mundo em geral, pedimos ao meritíssimo juiz que a justiça e razão, apesar das fortes pressões políticas, sejam aplicadas, honrando os valores e a história de um grandioso país como a Colômbia.
E sendo verdadeiro que a poesia e as condições de vida humilde, embora embebida de valores que só a dignificam e, por extensão, ao seu próprio país, de Angye Gaona, reflectirão a sua inocência, melhor do que poderia alvitrar o melhor advogado, tal, mais uma vez o reafirmamos, está sobretudo, estamos certos disso, na clareza da aplicação da justiça pelo meritíssimo.
Por isso, se o seu único crime é “cantar” a verdade e os verdadeiros valores universais da vida e da dignidade humana através do seu trabalho poético, parece-nos essencial para a prestigiada sociedade colombiana, que respeitar a individualidade, a dignidade, a vida e a liberdade dos seus poetas e artistas, que são hoje e serão sempre, uma espécie de pequena alma do seu povo, é algo que a história e as gerações vindouras não deixarão de avalizar.
Esperamos por isso, Meritíssimo, Angye Gaona e o mundo da poesia e das artes em geral, que V. Ex. seja o absoluto garante de um julgamento justo e imparcial que venha a servir para homenagear e prestigiar as instituições na Colômbia.
Por favor, aceite a expressão dos nossos sinceros respeitos e cumprimentos,
João Rasteiro (poeta)
Luiz Morgadinho (pintor)
Maria Celeste Tavares (pintora)
Marta Peres (pintora)
Miguel de Carvalho (poeta visual & editor)
Pedro Prata (pintor)
Rik Lina (pintor, poeta & editor)
Seixas Peixoto (pintor)
elementos do colectivo " Cabo Mondego Section of Portuguese Surrealism”
FOLHECA editada pela Debout Sur l’Oeuf
num total de 200 exemplares autenticados
“ ... soam as perguntas,
que estalam nos tímpanos oficiais.
Recordam-se os nomes inquietantes,
os desmembrados sem sepultura,
ocultados sob lodo impune.
Os nomes intensificam-se nas vozes,
as paredes das prisões podem ruir,
os tronos podem ser tomados,
diluindo-se as fronteiras
se aqueles nomes forem invocados.
Nenhuma arma, nenhuma afronta, nada,
poderá replicar contra estes nomes calcinados ... “
in Fala o Vulcão
Angye Gaona (Bucaramanga - Colombia, 1980) poeta membro de Prométhée e da organização do Festival Internacional de Poesia de Medellín durante cinco anos. Criou em 2001 o primeiro Salão Internacional de Poesia Experimental. É também escultora, produtora de programas culturais radiofónicos e promotora de poesia na sua cidade natal. Com obra incluida em diversas antologias impressas e virtuais colombianas e noutros países sul americanos, foi recentemente seleccionada para integrar uma antologia de novas vozes da poesia colombiana publicada pela Universidade de Monterrey (México). Publica o seu primeiro livro em 2009 «Nascença Volátil» e participa nos encontros internacionais do surrealismo EL UMBRAL SECRETO em Santiago do Chile (o maior evento do movimento surrealista alguma vez organizada na América Latina) junto com o colectivo Cabo Mondego Section of Portuguese Surrealism entre muitos outros. Em 2010 realiza o poema experimental «Os Filhos do Vento» disponível unicamente na rede virtual. O seu trabalho está traduzido para diversas línguas. Previa participar na grande exposição Surrealism 2012 (Pensilvânia, EUA) organizada em torno do Grupo Surrealista de Chicago, e no XXI Festival Internacional de Poesia de Medellín se não tivesse sido encarcelada.
Angye Gaona está envolvida num processo de julgamento injusto em Cartagena de Indias a iniciar durante o mês de Janeiro de 2012 por estar acusada de crimes que não cometeu (acusada de "concierto para delinquir agravado” associado a “delito de narcotráfico y rebelión”). Quatro meses a mantiveram sequestrada o governo colombiano numa prisão de média segurança, após regresso da Venezuela (onde se abasteceu de livros), até Maio de 2011 quando foi libertada por falta de provas e “vencimiento de términos”, junto de outros presos políticos (Julián Aldoni Domínguez, William Rivera e Araceli Cañaveral), também vinculados à mesma montagem, isto é, ao mesmo processo judicial. A verdade convincente é que Angye se solidarizou através de um trabalho cultural e poético com milhares de presos políticos que padecem nas prisões columbianas, com os jovens criadores de espaços de tertúlias e de conhecimento assim como com os trabalhadores que lutam por alcançar uma organização estável por oposição aos assassinatos e desaparecimentos de que são responsáveis as forças armadas, a polícia, os serviços secretos e os esquadrões de morte. E o caso foi forjado para calar Angye. O julgamento realiza-se a mais de 800 km de distância da cidade onde residem a família, os amigos e todos os que podem testemunhar a sua inocência. O Juiz não aceitou as testemunhas de defesa pela via virtual, argumentando “escasso de pressupuestos”. Apesar de viver na pobreza, com pouco menos que o básico que garante a alimentação da sua filha menor (com quem partilha um apartamento no bairro humilde de Bucaramanga, sua cidade) se ve obrigada a defender sua inocência num tribunal viciado desde o princípio. Garante-nos a luta pela dignidade e não por um mercado editorial. E essa luta está do seu lado com a dos seus companheiros indignados, cuja solidariedade cresce à escala planetária, da mesma maneira que os seus versos se tornam universais...
“... Que trazeis, que ofereceis
mais perto das sombras
num tempo de desaparecimentos
quando voltam as cabeças separadas
a perguntar descrentes
se não deixaram
algum segredo sob a língua ...”
(fragmentos de poemas de Angy Gaona traduzidos por miguel de carvalho)